Vou entrar em uma seara de conversa meio complicada. 
Correndo o risco de ganhar inimigos, inclusive.
Duas coisas me incomodaram muito nos últimos dias.

A primeira foi a repercussão da morte do menininho sírio nas praias da Turquia.
Imagem forte. Incomodou muita gente.
Eu me incomodei.
Muito!

Muito fácil se incomodar com o que ocorre a milhares de quilômetros de distância da nossa realidade nua e crua.
Quantas crianças brasileiras morrem diariamente aqui no nosso quintal?
Quantos bebês morrem por falta de atendimento médico decente nas maternidades?
Quantos bebês nascem com paralisia cerebral por falta de atendimento médico decente nessas mesmas maternidades?
Quantas crianças com deficiência morrem esperando por uma cirurgia porque sua condição de deficiente não as coloca em pé de igualdade com crianças ditas comuns?

Porque nos incomodamos com a criança síria e não ligamos para nossas próprias crianças?
Por que nos comovemos com os refugiados árabes e nem olhamos para os haitianos amontoados na igreja do centro de São Paulo?
Será que é mais nobre se importar com quem está distante do que com aquele que está muito perto?
Acredito que isso deve ser porque me importar com aquele que está bem longe não me causa desconforto real.

 

A segunda coisa que me incomodou: 2 de nossos cachorros escaparam no dia 31/08, uma segunda feira.
Um deles foi encontrado por alguém na terça feira a tarde.
Descobrimos onde ele estava e o pegamos de volta na sexta a noite.
Ele foi encontrado por uma menina que apoia uma ONG.
Ele foi levado a um veterinário, foi castrado, vacinado, recebeu uma limpeza dentária, um banho e uma aplicação de anti-pulgas.

Na quinta feira já tinha sido adotado por uma outra pessoa, que por ver a tristeza do meu filho caçula, devolveu o Bob pra nós.

Meu filho ainda levou uma bronca por conta da “perda” do Bob. “Cachorro na rua não tem dono”.
O que justificou resolver a vida do animal da melhor maneira possível e no menor espaço de tempo.

Tem coisa muito errada com o ser humano….
Tanto se faz por um cão e nada, ou quase nada, se faz por outro ser humano.
Se o mesmo pensamento se aplicasse aos milhares de crianças que estão em nossas ruas, talvez nossa miséria como ser humano não fosse tão grande.

Texto: Monica Xavier
Imagem: Photo by Kat Smith from Pexels