Por Débora Goldzveig*

Ser irmã de uma pessoa com Síndrome de Down é como ser irmã de qualquer outra pessoa, com ou sem deficiência. Talvez o fato do seu irmão ou irmã possuírem a Trissomia do 21 (um cromossomo a mais no par 21), como é chamada a Síndrome de Down no universo da Genética, seja uma oportunidade de potencializarmos nossas habilidades socioemocionais como aprender a sermos mais empáticos, mais resilientes, gratos pelas pequenas conquistas e, principalmente, enxergar o melhor potencial do outro, independente de qualquer diversidade funcional e respeitando o tempo de cada um.

Claro, podemos trabalhar tais habilidades mesmo se não tivermos irmãos com deficiência, acontece que quando fazemos parte de um círculo familiar com necessidades específicas, nosso olhar para diversidade é mais constante em nossa convivência diária. Seja porque precisamos acompanhá-los nas terapias junto com nossos pais, porque precisamos levá-los para escola, ou verificar se os colegas estão tratando bem a pessoa que amamos, fazer parte das estimulações em casa incentivando a pronúncia correta das palavras, ajudando no seu desenvolvimento intelectual, respeitando o tempo de cada um para corresponderem ao estímulo dado e claro, comemorando as “pequenas grandes” vitórias em cada conquista durante essa trajetória.

Também é muito importante que o momento da notícia seja pensado na perspectiva dos irmãos. A informação é uma forma de acolhimento para os irmãos que podem sentir-se naturalmente preteridos, simplesmente pelo fato de chegar mais uma pessoa na família. Ela precisa ser dada com muito cuidado da parte familiar e se for o caso, da parte médica. Acredito que não há um momento certo para contar sobre a Trissomia 21, o importante é que os irmãos sejam sempre tratados com muito carinho e atenção igualmente. Em algum momento eles poderão questionar sobre diferenças percebidas e nessa hora, é importante explicar de forma clara que seu irmão ou irmã possuem a Síndrome de Down como característica, jamais como doença. Entender que o tempo de aprendizagem será um pouco diferente, mas que serão capazes de se desenvolver e sentir desejos da mesma forma. Incentivar o envolvimento do irmão sem deficiência desde a infância fará com que sinta-se de fato parte deste processo até o envelhecimento.

De todo modo, é muito comum a sensação de que nós irmãos não somos mais importantes devido ao maior investimento de tempo de nossos pais em cada etapa de desenvolvimento quando então, deixamos de ser vistos, ouvidos e até mesmo percebidos dentro do círculo familiar. Isso pode acontecer além de nossa própria casa, mas em toda família estendida, como durante encontros com primos, tios, avós, na escola… Podemos ter a sensação de que só querem saber sobre nossos queridos irmãos T21 porque são estereotipados erroneamente como carinhosos, fofos, delicados, entre outros adjetivos que nem sempre fazem sentido e poderiam ser atribuídos a nós também, não é mesmo?! Toda essa situação acumula, muitas vezes, sensações que não sabemos verbalizar, e podemos sentir raiva, angústia, tristeza, ciúmes, medo do futuro e até vontade de ser como eles. Por que não? Assim, conseguiríamos, ilusoriamente, toda atenção de volta novamente. Ou, ao contrário, podemos ser apáticos, não sentir nada em relação ao volume de novas informações que recebemos e quando nos damos conta, estamos descontando esse vazio interno em outras áreas da nossa vida, como dificuldade de se posicionar profissionalmente por exemplo.

Essas sensações devem ser respeitadas e validadas, pois junto com cada uma delas existe, na maioria das vezes, um amor infinito, muito maior que pode se sobressair, se houver DIÁLOGO FAMILIAR. É muito importante que a família inclua os irmãos de pessoas com deficiência dedicando um tempo exclusivo, apenas a eles, seja para um passeio, almoço, conversa. Não precisa ser muito tempo, mas que seja um tempo de qualidade para sentirem que continuam sendo importantes. E, paralelamente, que haja incentivo dos pais ou responsáveis para o convívio leve e prazeroso apenas entre irmãos. Em ambas situações cria-se uma linguagem afetiva própria, muito importante para o estabelecimento de vínculos necessários para que a pessoa com Síndrome de Down possa ser protagonista de seu projeto de vida.

Como assim? Se a pessoa com T21 percebe que não há bom relacionamento familiar, ela se desorganiza, pode se sentir insegura e por não saber expressar seus sentimentos, pode acabar tendo reações que pareçam agressivas ou até exageradas, mas que são apenas uma maneira de se fazerem notadas dizendo “olha, estou aqui! Quero que me escutem, não respondam por mim e nem discutam por minha causa!”

Além disso, os irmãos podem compartilhar responsabilidades durante toda trajetória de vida, permitindo aos pais que tenham momentos individuais, sem que a mãe ou o pai sintam-se sobrecarregados. Mas calma, isso não quer dizer que os irmãos assumirão o papel dos pais. Pelo contrário, o objetivo é estimular que tenham momentos de prazer e aprendizagem juntos como dividir tarefas domésticas (sem que outra pessoa faça isso por eles) por exemplo: cuidar para manter suas camas arrumadas, limpar cômodos da casa em dias específicos, lavar a louça, preparar o almoço em conjunto enquanto os pais saem para um passeio, enfim, é possível montar um cronograma, uma agenda doméstica em que cada um seja responsável por sua tarefa.

Essa pode ser forma divertida de um zelar pelo outro estabelecendo confiança. É importante reforçar que não haja a troca de papéis como “irmães” ou “irpais”, ou seja, cada um deve respeitar o espaço do outro, sendo a relação fraterna saudável e, mesmo que haja conflitos naturais, nunca tenda ao domínio ou controle do outro, nem sobrecarga com atribuições de cuidado que são inerentes aos pais ou responsáveis.

Dessa forma, é muito importante que não seja praticado o capacitismo, que é a discriminação através da subestimação, inferiorização da capacidade e aptidão em virtude das diversidades funcionais. Ou seja, por conta da deficiência do irmão, é permitido que ele faça uma série de coisas que o outro irmão não pode fazer ou discorda. As regras devem valer para ambos! Essa desigualdade, além de gerar sentimentos negativos, faz com que a pessoa com Síndrome de Down se acomode e sinta-se incapaz, pois mesmo que não pareça, ela percebe que está sendo superprotegida, independente de sua idade. Resultado? No futuro, essa pessoa terá dificuldades em se relacionar, ter amigos, conseguir um emprego e acabará se tornando um peso para o responsável que assumir sua tutoria.

Por isso, todo esse processo de convivência e sentimento de pertencimento são muito importantes desde a infância. Você, irmão ou irmã de alguém com Síndrome de Down, informe-se sempre! Esteja em busca de atualizações sobre a síndrome, o que há de novo nos campos da tecnologia, medicina, genética, nutrição, educação, legislação, contribua para que redes de apoio de lazer e cultura sejam fortalecidas. A informação é a ferramenta mais poderosa para acessibilidade, seja ela atitudinal, física, digital, arquitetônica nas comunicações, de mobilidade e tantas outras. O conhecimento permite que nos posicionemos com naturalidade em situações complexas de bullying e preconceito, e ajuda a ampliar a visão do círculo social que estamos inseridos para compreensão da individualidade de cada irmão e de cada pessoa de forma geral.

Seja você também um impulsionador pela transformação, agente responsável pela construção de uma sociedade mais inclusiva e diversa. Seja um EMBAIXADOR DA INCLUSÃO! O protagonismo e mudança de atitude está em suas mãos!

*Débora Goldzveig é irmã do David (Síndrome de Down).