Quantas vezes, na hora em que você explodiu, alguém te olhou nos olhos e sugeriu que fizesse terapia?

Antes de continuar, quero deixar bem claro que não sou contra terapia e nem contra psicólogas. Há momentos em que terapia é necessária e existem bons psicólogos.

Semana passada, conversando com uma amiga que tem uma filha com síndrome de Down, mencionei que achava a maior maldade sugerirem que tudo o que a mãe de uma criança com deficiência precisa é terapia.

A rotina da mãe de uma pessoa com síndrome de Down (essa é a síndrome que eu mais conheço de perto, então a usarei como exemplo) é exaustiva. São pelo menos 3 terapias por semana: fono, físio e terapia ocupacional. Elas não acontecem todas no mesmo dia para não cansarem a criança. Além do leva e traz para as terapias, tem as questões escolares, as questões sociais e as coisas comuns da vida: casa, marido e outros filhos.

No transito de São Paulo, um dia de terapia implica um período inteiro do dia, três vezes por semana.
Caso o meio de transporte seja o ônibus, serão cerca de 90 minutos para chegar para uma terapia de no máximo 40 e pelo menos outros 90 minutos para chegar em casa. No caminho, ela enfrentará olhares tortos das pessoas do ônibus só por demorar um pouco mais para subir a bordo e acomodar-se com sua criança.

Caso ela chegue atrasada por fatores totalmente alheios à sua vontade, a terapeuta vai olhá-la com olhos matadores, dando a entender que ela é desorganizada porque vira e mexe se atrasa.

Sem identidade por ser chamada de mãe (Boa tarde, mãezinha…. argh!!), senta-se em uma sala fria, numa cadeira desconfortável, folheia uma revista antiga com fotos de lugares paradisíacos totalmente fora de seu alcance enquanto pensa na nas coisas que tem a fazer:

– “Não deu tempo de lavar a louça. A pia está cheia desde o almoço de ontem”
– “Quando foi a última vez que fiz as unhas? Faz tanto tempo que nem me lembro mais.”
– “Preciso ir ao mercado, só tenho açúcar até o café de amanhã.”
– “Meu Deus, estou cansada!”
– “Hoje não consegui nem arrumar a minha cama…”
– “O que será que farei para o jantar? Não me importaria de só uma xícara de café com leite e um pão com manteiga, mas meus filhos precisam “comer comida”.”
– “Nossa, a pilha de roupa para passar está quase chegando no teto!”
– “Meu Deus, estou muito cansada!”
– “Preciso lavar um cesto de roupas. E tem aquelas roupas brancas que preciso esfregar. Ainda bem que não fiz as unhas.”
– “A primeira coisa que preciso fazer quando chegar em casa é limpá-la. Crianças com SD são imunodeprimidas, não posso deixar a casa empoeirada.”
– “Como eu queria poder sentar e tomar uma xícara de chá sem que me chamassem por 5 minutos.”
– “Deus, não estou dando conta!”

A porta da sala se abre e, ao devolver a criança para a mãe, a terapeuta cobra da mãe que faça direito os exercícios em casa para que seu filho se desenvolva no ritmo certo.

E lá vai a dupla, para o ponto de ônibus, levar sabe Deus quanto tempo para chegar em casa.

Perto de casa, na fila do mercado, uma senhora reclama por ela estar na fila preferencial, aquele lugar não a pertence.

Ela explode. Ela é mal criada.
Ela tem que explicar que seu filho é deficiente e por isso ela pode, sim, estar na fila preferencial. Esse pode ser o único privilégio que ela tem há muito tempo e ainda querem tirá-lo dela.
Ela chora.
Todos no mercado estão olhando para aquela mulher fazendo cena.
Ela envergonha-se. Não sabe se tem vergonha de si, por ter perdido as estribeiras, ou se tem vergonha por ter um filho deficiente. Ela se culpa por pensar assim.

Chegando em casa, exausta, lá vai ela lavar a louça que está na pia enquanto faz o jantar. Pensa em colocar a roupa para lavar mas, Deus, ela está esgotada.
Ao servir o jantar, alguém reclama que naquele dia não teve salada. Ela chora. Ela grita. Ela sai da mesa. Num ato de desespero ela diz que vai embora.
“Coitada, está desequilibrada, precisa procurar terapia.”

Não!
Ela não precisa de terapia!

Ela precisa de alguém que, sem perguntar, lave a louça que está na pia. Precisa que alguém se ofereça para cuidar de seu filho por meia hora para que possa sair para fazer as unhas. Como ela gostaria que alguém fizesse as compras da semana pra ela, para que ela não tenha que explicar mais uma vez que pode ficar na fila preferencial porque seu filho tem deficiência. Seria o paraíso chegar em casa e encontrar a pia limpa, sua cama arrumada e a casa limpa.
Já imaginou se levassem um bolo gostoso para tomar um chá com ela? Ah, bem que alguém poderia fazer o jantar….

Não, ela não precisa de terapia!

Ela só está cansada, muito cansada de ter que dar conta da vida.

Texto: Monica Xavier
Imagem: Photo by Aditya Saxena on Unsplash