Oi!

Você sabia que, assim como você, um dia eu tive sonhos?

É sim, sonhei que um dia eu seria mãe. E, nos meus sonhos, eu seria mãe de um bebê que foi imaginado desde antes da minha gestação.

Tive muita dificuldade para engravidar. Enquanto minhas amigas engravidavam “só pelo olhar” eu precisei recorrer à gravidez assistida. Meses e meses me entupindo de hormônios para que o meu corpo pudesse receber esse bebê tão esperado.

Toquinho e Vinícius já cantavam esse nosso sonho:

“É comum a gente sonhar, eu sei

Quando vem o entardecer

Pois eu também dei de sonhar

Um sonho lindo de morrer.

Vejo um berço e nele eu me debruçar

Com o pranto a me correr.

E assim chorando acalentar

O filho que eu quero ter.”

Assim como você, eu também sonhei esse sonho lindo de morrer. E sonhei em dobro, porque a minha gestação foi gemelar!

Antes de saber se seriam meninos ou meninas eu já imaginava seus dedinhos das mãos acariciando meu seio enquanto eu os amamentava. Imaginei seus olhinhos vivos dentro dos meus, como se estivéssemos trocando segredos inconfessáveis. Via pessoinhas que ergueriam a barriguinha para me pedir colo cada vez que eu chegasse perto do seu berço.

Li muitas coisas sobre o desenvolvimento de um bebê e tinha a certeza de que os meus bebês acompanhariam essas tabelas de forma exemplar: bateriam palmas a partir dos 3 meses, rolariam aos 4, sentariam com apoio aos 5 e começariam a querer se arrastar e engatinhar a partiir dos 6.

Vocês não imaginam o quanto eu imaginei os meus bebês em pé, apoiados nos móveis para ensaiarem seus primeiros passos a partir dos 8 meses. Qual não seria a minha alegria quando eles me chamassem de “mamã”! Dizem por aí que isso acontece aos 9 meses. Aos dez meses eles estariam engatinhando por toda a casa – seria o fim do meu sossego – e quando fizessem um ano já estariam andando. Tudo isso sem dizer as coisas mais simples: bater palmas, dar tchauzinho, beber no copo ou brincar com caixinhas vazias.

Mas, quando meus bebês chegaram, o chão se abriu sob meus pés!

O choro, o medo do desconhecido, a frustração e a culpa invadiram meu coração de mãe: um daqueles bebês tão esperados deu lugar a um bebê com síndrome de Down!

Vocês não fazem ideia de como foi difícil aprender a amar um bebê tão diferente daquele com o qual sonhei por 9 meses.

Como foi difícil administrar ter, ao mesmo tempo, um bebê comum e um bebê com deficiência em meus braços!

Um sentimento de culpa, inexplicável, invadia a minha alma: o que eu poderia ter feito para que uma das minhas filhas que foi tão esperada e desejada desse lugar a uma criança com deficiência? Por que comigo? Como minha filha comum reagiria quando crescesse e entendesse que a sua irmã gêmea tinha uma deficiência que implica o comprometimento cognitivo?

Preciso ser honesta com vocês, ainda penso muito sobre isso. Que direito eu tenho de impor a uma irmã o cuidado pela outra quando eu não mais estiver aqui? É isso mesmo. Pode parecer uma loucura, mas a questão da minha finitude me assombra: o que será da minha filha quando eu e seu pai faltarmos?

O tempo foi passando e eu tenho administrado a vida da melhor maneira que eu sei.

Hoje eu posso dizer, do fundo do meu coração, que amo de paixão cada uma das minhas filhas.

A Luisa, diferente da Helena, não segue todos os marcos do desenvolvimento infantil e esse atraso no desenvolvimento me machuca muito, principalmente porque tenho um padrão de comparação exemplar.

Não são os atrasos motores que mais me perturbam. A Luisa não fala! Ela entende tudo o que falamos para ela. Ela, inclusive, obedece a comandos e a ordens como toda a criança pequena da sua idade. Mas, ela não fala. Ela tem o que se chama apraxia da fala: uma dificuldade do cérebro de mandar para os lábios as articulações dos sons da fala.

O fato de a Luisa não falar não quer dizer que ela não ouve, entende e obedece a comandos. Quando falamos com ela, ela sabe muito bem o que estamos querendo dizer. Talvez ela demore um pouquinho – só um pouquinho – para ouvir e processar o que estamos falando.

É … o comprometimento cognitivo é uma outra das muitas características da síndrome de Down.

Eu entendo, que numa sala de aula, talvez a impaciência pela espera desse processamento possa levar qualquer pessoa a simplesmente ignorar a presença da Luisa. Eu sei que conviver com o diferente é desafiador. Eu o faço o tempo todo. Mas, garanto a você que esse desafio vale a pena.

Então, ao invés de pedir para que seu filho não chegue perto da minha Luisa, peça a ele que a olhe como a criança tão pequena que ela é e que simplesmente fale com ela. Ela pode não saber responder, mas vai atende-lo. Diga a ele que pode pedir a bola ou o brinquedo com o qual quer brincar porque ela entende e vai ceder o brinquedo.

Quando ela sentir que pertence ao grupo, ela vai parar de morder.

Ela não morde porque é uma pequena monstra.

Ela morde, simplesmente, para se fazer notar em um lugar onde o adulto presente tem ensinado o seu filho a não chegar perto da minha Luisa pois, por não saber como lidar com ela e colocar os limites que precisam ser colocados para ela, e para qualquer outro coleguinha da classe, prefere simplesmente dizer que ela morde.

Já pensou como seria se, ao invés da Luisa, fosse o seu filho?

 

Texto: Mônica Xavier
Imagem: Photo by Hannah Olinger on Unsplash