Momento de unir forças para pensarmos em nossos papeis: primeiro como pais e mães de pessoas com deficiência ou não, e depois como instituições com legitimidade e possibilidade de protagonismo e de mudança..
Mas, antes de pensarmos na nossa possibilidade de protagonismo, precisamos ter em mente o lugar que ocupamos na sociedade: somos pais e mães de pessoas comuns ou de pessoas com deficiência em um mundo em constante transformação.
Um mundo onde o tal do politicamente correto levado ao extremo tornou-se uma das maiores formas de marginalização do outro, lembrando que marginalizar nada mais é do que deixar o outro à margem, sem possibilidade de convivência.
Essa marginalização começa a existir já na hora do parto, que deve ser natural e de preferência sem anestesia (!!). E a mãe que por algum motivo não amamenta sua cria deixa a desejar como mulher, como cidadã e, principalmente, como mãe.
O mais triste é que são iguais marginalizando iguais, uma mania de uma mãe se achar melhor do que a outra, quando a vida poderia ser muito mais leve se uma simplesmente calçasse os sapatos da outra.
O que dizer então da mulher que recebe seu bebê com deficiência e não tem a possibilidade de questionar o filho inesperado?
Triste com sua frustração, oferecem a ela os moinhos de vento da Holanda ao invés da tão sonhada torre Eiffel pois, de uma forma ou de outra, ela chegou a Europa e, independentemente de onde seu voo tenha ou não pousado após longas horas de viagem e de muita expectativa, não tem do que se entristecer.
Sem o direito de chorar e lamentar pelo filho que não veio, sem poder questionar a deficiência que a ela se apresenta e todas as incertezas em relação ao futuro, cabe a ela engolir o choro e tocar a vida.
Essa mãe é o primeiro exemplo de inclusão malsucedida e ela repetirá esse modelo pelo resto da vida: se ela foi a primeira a ter que aceitar o filho que a vida lhe impôs, ela também exigirá que o mundo aceite essa criança. É nesse momento que todas as batalhas começam.
Inclusão não começa na escola. Inclusão começa naquele leito da maternidade e só será real se essa mãe, antes de se satisfazer em chegar ao lugar que não fez parte de seus planos, puder brigar com a agência de turismo que errou o roteiro com o qual ela tanto sonhou.
Antes de falarmos sobre inclusão, precisamos parar para pensar no real significado da palavra e suas implicações.
Acredito que a primeira coisa que nos vem à cabeça é o desejo de sermos vistos como realmente somos e de sermos respeitados pelo o que somos. Sabemos e reconhecemos nosso valor como cidadãos e qual a nossa participação e contribuição no mundo. Não somos iguais a ninguém.
Cada um tem suas especificidades, características que nos tornam únicos e especiais nesse mundão de meu Deus. Por isso, somos especiais por sermos únicos, não somos especiais porque somos diferentes.
Precisamos vigiar nosso discurso. Muitas vezes, na ingenuidade da procura por um lugar ao sol, dizemo-nos especiais a despeito da pessoa que está ao nosso lado, pessoa essa tão especial quanto você e eu. Deixamos de incluir.
Quando pensamos em inclusão, também nos vem à mente o conceito de “estar dentro”, pertencer a um sistema que, teoricamente, deveria fazer valer nossos direitos como cidadãos.
Então, temos que considerar que direitos são esses que a nós têm que ser garantidos.
Temos o direito à livre expressão.
Direito complicado, esse.
Podemos dizer o que quisermos, quando e como quisermos. Não pensamos no outro, nos seus motivos e muito menos na sua dor. Somos rápidos no julgar e extremamente lentos no que diz respeito a ouvir.
Por sermos rápidos demais no julgar, desfazemos grupos, saímos de grupos e fundamos outros grupos.
Criamos discórdias inúteis por capricho e fundamos outros e outros grupos para que egos se sintam inflados e vontades individuais prevaleçam como se fossem verdades absolutas!
Divide-se ao invés de ajuntar.
Em detrimento do bom diálogo, exclui-se. E, muitas vezes, pessoas se fazem de vítima porque ninguém as entende, ninguém as respeita e ninguém faz suas vontades, sempre soberanas.
É chegada a hora de instituições deixarem de se isolar em guetos e pararem de pipocar aqui e ali por conta da presunção e da egolatria de uns e de outros.
Temos o direito ao ensino.
Esse é o direito da vez.
Queremos nossos filhos na escola. A qualquer custo, desde que não sejamos nós que tenhamos que arcar com ele.
Afinal de contas, se essa criança a nós foi imposta, ela também será imposta à escola que quisermos, como e quando quisermos, não importa se nossos filhos serão ou não felizes ali.
Mas, não queremos o dever de educá-los e prepará-los para o mundo da escola.
Esses meninos são criados para que sejam eternas crianças. Preferimos infantilizá-los a dar-lhes autonomia. Criamos filhos frágeis e despreparados para que sejam só nossos e não cidadãos do mundo.
E, por nos chamarmos especiais, exigimos que esses filhos sejam tratados, cuidados e paparicados no ambiente escolar como se estivessem na nossa casa, no nosso quintal.
Queremos um atendimento especial e diferenciado.
Somos os primeiros a nos excluir.
Temos o direito à saúde. E queremos o melhor que pudermos pagar. Também queremos toda a informação disponível. Só para nós. Só para nossos filhos. E só para nossos amigos.
Não dividimos conhecimento com mais ninguém. Como conhecimento é poder, cada um quer ser melhor e superior que o seu igual; o outro que se vire e que dê conta de ir em busca das soluções de que precisa. Afinal, cada um com seus problemas, cada um no seu quadrado!
Enxergamos a deficiência que está no nosso umbigo e simplesmente ignoramos toda e qualquer deficiência que esteja um pouco mais distante que o alcance de nossas mãos. Não olhamos para aquele que é tão deficiente quanto nós, mas que não tem a mesma deficiência que nós.
Esquecemos da deficiência das periferias, da deficiência diferente daquela que a vida nos impôs. Brigamos pelos nossos direitos, o outro que faça valer os seus.
Simplesmente excluímos.
Chegou o tempo de cumprirmos a nossa parte antes de exigirmos que nossos direitos sejam garantidos.
Se queremos esses meninos na escola, precisamos prepará-los para que deem conta das atividades da vida diária e não sejam um estorvo. É nosso dever ensinar-lhes que a vida tem regras e limites, que existe figuras de autoridade que devem ser respeitadas e obedecidas.
Se queremos esses filhos no mercado de trabalho, é nossa função capacitá-los para que ocupem o seu lugar de direito, para que que saibam se comportar e que saibam o que é hierarquia e que a respeitem. Atitudes que se espera de qualquer pessoa que entra para o mercado de trabalho.
Se queremos que esses filhos sejam respeitados, seus pais e mães são os primeiros que precisam respeitá-los e deixar de infantiliza-los e de tratá-los como pessoas treináveis. Basta de se referirem a eles como seres angelicais, especiais, dóceis e extremamente amorosos, parem de tratá-los como crianças quando já têm quase 40 anos. Chega desse estereótipo que os isola do mundo e os priva da maravilhosa possibilidade do vir a ser.
O binômio responsabilidade e autonomia tem que ser real na vida desses jovens.
Se queremos que eles tenham voz, é nosso dever dar-lhes voz. Não a nossa voz, não do nosso jeito.
É nosso dever aceitar suas aptidões e dar a eles a oportunidade de serem o que desejarem – são apenas filhos, não são troféus.
Se podemos ser o que quisermos desde que preparados para isso, eles também o podem e merecem essa liberdade de escolher.
Nossos jovens precisam aprender quem são, reconhecerem-se seres de desejos, saber que têm habilidades para algumas coisas e não para outras, assim como acontece com cada um de nós.
Preparemos esses filhos.
Aceitemos e respeitemos suas deficiências assim como aceitamos as nossas deficiências e queremos que elas sejam respeitadas.
No momento em que olharmos para esses filhos e os enxergarmos como realmente são teremos a liberdade de sonharmos nossos sonhos e deixar que eles sonhem os seus.
E, juntos, descobriremos que há muitos outros sonhos para sonhar!
Texto: Monica Xavier