Por Mônica Xavier*

Ontem fiz uma live com uma mulher extremamente resiliente. Já contei uma vez que ouvi que nem sempre resiliência é uma qualidade porque parece que a vida bate, bate e a gente não bate de volta. Na verdade, o fato de não adoecermos mental ou fisicamente frente às adversidades da vida é uma vitória.

Ser resiliente não é o mesmo que se deixar ser humilhado. Ser resiliente significa escolher as brigas que realmente valem a pena. É saber que o embate pode nos reduzir à pequenez do outro, que a “bateção de boca” nos desqualifica e que vencer batalhas não significa vencer a guerra. Ser resiliente, depois da empatia, é uma das maiores qualidades do ser humano.

O Instituto Empathiae nasceu para acolher a mãe que recebe a notícia da síndrome de Down ou outras deficiências no seu momento de maior fragilidade emocional. Existe para ouvir histórias de dor, de perplexidade e de superação. Existe para que a mãe, qualquer que seja ela e onde quer que esteja, receba apoio. Um “abraço de urso” que diz estamos aqui com você, vamos caminhar juntos até que o sol volte a brilhar. Muitas vezes, a chuva pode parecer destruir terrenos, mas sua função é aguar a terra para que floresçamos, cada uma na sua estação e com seu perfume, fazendo do mundo um lindo jardim.

Ontem o Instituto Empathiae, como instituição, deu voz a uma mulher pouco ouvida: a mulher preta, pobre, mãe de uma criança com deficiência e que mora na periferia. Uma pessoa que, muitas e muitas vezes, não queremos enxergar e, como na parábola do bom samaritano, passamos do outro lado da estrada para nos mantermos no conforto de nossas bolhas cor de rosa.

Ah, mas há dezenas de instituições Brasil afora para cuidar dessa mulher e de seu filho. Tem certeza? As instituições que conheço estão lotadas e a fila de espera para o tratamento da estimulação precoce chega a ser de 2 anos. Dois anos! Uma janela imensa de possibilidades de desenvolvimento neural e cognitivo que se fecha para nunca mais abrir. E lá fica ela, aquela mulher preta e pobre a ver navios, pensando onde foi que errou para que seu filho com deficiência não se desenvolva minimamente. Não me diga que tudo o que uma criança com deficiência intelectual precisa para se desenvolver é estímulo. Não crie para você uma verdade que não existe para justificar a sua indiferença – a palavra aqui é OPORTUNIDADE e sabemos que ela não é a mesma para quem vive nas periferias das grandes cidades.

A mãe preta e pobre de uma criança com deficiência, que mora na periferia, se autodenomina mãe atípica. Ah, mas mãe é tudo igual, essa história de mãe atípica não existe. Não? Calce seus calçados, caminhe seu caminho por um dia e depois conversamos. Um dia, porque uma semana pode ser demais para você, mulher branca, de classe média e média alta que vai com seu carro próprio (ou financiado) pra lá e pra cá. Já caí na armadilha dessa ladainha desrespeitosa em relação às mães que se chamam atípicas e peço perdão.

Nossa, Mônica, você está entrando em um discurso classista. É verdade. Nós, mulheres brancas de classe média e média alta, com nossos filhos estudando nos melhores colégios, que moramos em casas confortáveis e temos nossas despensas abarrotadas não entendemos como uma criança pode vibrar tanto por causa de um pacote de gelatina. Não fazemos ideia do que seja ir dormir com fome sem ter certeza se terá o que comer amanhã, mesmo que seja só um pirão de água com fubá. Nós, mulheres de classe média e média alta queremos que nossos filhos participem das entregas nas campanhas de cestas básicas porque queremos que nossos filhos saibam o que é a pobreza. Queremos tirar fotos em frente a casinhas de um ou dois cômodos, entregando a cesta para aquela criança mulatinha pobrezinha e postar nas redes sociais para “prestar contas”. Prestar contas para quem, cara pálida? Queremos é estar bonitas na foto e mostrar ao mundo como somos boazinhas. E assim vamos nos enganando diuturnamente.

Postamos fotos de nossos filhos “na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê”, no hotel 5 estrelas e na casa de praia e nem passa por nossa cabeça que o filho com deficiência da mãe preta e pobre que mora na periferia do interior de São Paulo nunca viu o mar. O que, na devida proporção, para muitas pessoas não significa mais do que uma caixinha de gelatina.

Temos acesso aos melhores médicos e exames e postamos fotos nas redes sociais porque no alto da nossa soberba acreditamos que precisamos informar famílias em situação de vulnerabilidade social o que deveria ser feito para seus filhos. Elas sabem. Muitas dessas mulheres têm mais conhecimento e muitas vezes até mais cultura do que você – não seja capacitista! Ela não tem é acesso a esse serviço. O que quer que venha do serviço público, aquele que não é gratuito e pelo qual você paga com seu imposto, leva meses e ás vezes anos. Mas lá estamos nós, na nossa melhor roupa, no consultório luxuosíssimo, agredindo, muitas vezes sem querer, aquela nossa seguidora preta, pobre, mãe de uma criança com deficiência que mora na periferia e morre de medo que a gripe do seu filho se transforme em pneumonia porque a UBS está em greve, o pediatra faltou, ou não tem amoxilina na farmácia do postinho. Sugerimos que ela alimente seu filho com deficiência com quinoa e grão de bico quando não tem nem feijão com arroz. E, se tiver, pode não ter gás para cozinhar.

Que inclusão é essa que nos arvoramos em representar e que gritamos aos 4 ventos? Inclusão entre iguais não é inclusão, é formação de guetos.

*Mônica Xavier é presidente e fundadora do Instituto Empathiae. Contato [email protected].